Mesmo com esse apelo, ela quase deixou de ser admirada e amada por olhos e corações brasileiros em sua última aparição fotográfica. Um ensaio que o fotógrafo Bert Stern fez com a diva em julho de 1962, ano de sua morte, e que seria exibido no Rio e em São Paulo, de outubro de 2007 a março de 2008, por pouco não foi abortado.
Primeiro, ela teve que ficar dias e noites encaixotada na alfândega do Aeroporto Internacional de Cumbica, porque o fiscal da Receita Federal cismou que aquelas fotos não eram obra de arte. Depois, o mesmo fiscal se invocou com a documentação que trazia Marilyn para cá.  (Meu Deus! Aqui os homens definitivamente não preferem as louras, deve ter pensado a musa encaixotada). Após 17 dias trancafiada no galpão do aeroporto, o pior estava por vir: sua viagem para o Rio, onde o MAM já a aguardava aflito para a exposição Marilyn Monroe, o mito, foi na boleia de um caminhão, pela Via Dutra, em pleno calor tropical do outubro brasileiro. (Ufa! Quanto mais quente, pior, teria reclamado a frágil visitante). E pensar que antes de vir para cá, ela passou dias bem mais charmosos em Paris, com champanhe e caviar, como atração do Museu Maillol.
Quem a convidou para visitar o Brasil foi o sócio da Editora Sextante, Geraldo Jordão Pereira, e o convite só foi aceito depois de um ano de negociação. O lucro da mostra seria revertido para o Instituto Rio, fundação comunitária que ajuda a população carente da zona oeste daquele Estado. Com esse objetivo nobre, a qualidade do material e tratando-se de um mito como Marilyn Monroe, ele jamais poderia imaginar que não encontraria um patrocinador para apoiá-lo nesse projeto. Será que todos esses percalços explicam o derrame que o matou, no dia 12 de fevereiro de 2008, enquanto sua convidada especial continuava sendo exibida em São Paulo?
Mas se os cariocas, apesar de todos esses percalços, puderam apreciar aquelas fotos no MAM, o publico de São Paulo correu o risco de ficar privado dessa emoção. Por incrível que pareça, não havia espaço para elas. O curador Diógenes Moura tentou a Pinacoteca do Estado, mas a agenda estava completa. Sugeriram a ele procurar a Galeria Estação. A diretora desse espaço, Vilma Eid, justificou que não poderia hospedar a musa americana porque o foco de sua galeria é a preservação do imaginário do povo brasileiro e lhe indicou o Instituto Tomie Otake. Lá lhe informaram que a agenda também já estava completa. Por que ele não tentava a Galeria Estação. (Meu Deus! Continuou sendo rejeitada! Já não basta que minha mãe me abandonou quando eu era criança, que fui criada num orfanato e em nada menos que 11 lares adotivos diferentes! Que sina! (Indignou-se a deusa loira, ainda encaixotada).
Desta vez Vilma Eid, a diretora da Galeria Estação ponderou: se Marilyn batia novamente à sua porta, é lá que tinha de ficar. Mas, para isso, teria que dividir o espaço com a fotógrafa brasileira Telma Saraiva. Nascida no Crato, no Ceará, nos idos dos anos 40, Telma se inspirava nas estrelas americanas que via no cinema e na revista Cena Muda para se autofografar, imitando as artistas hollywoodianas. Depois coloria as fotos tiradas em preto e branco. Assim, num encontro inusitado, a exposição Telma Saraiva, em busca do mito promoveu um diálogo entre a fotógrafa que nunca saiu do Crato e um dos mitos que inspiraram suas fotos.
Enquanto no pavimento superior da Galeria Estação Telma Saraiva, travestida de estrelas que brilharam em seus sonhos, aparecia em poses comportadas, no piso inferior Marilyn se mostrava em toda a sua natureza. Vestida, semivestida e nua. Tapando os seios com duas flores de pano em contraponto à cicatriz de uma cirurgia recente para a retirada da vesícula. No rosto, um sorriso malicioso e uma piscadela com o olho esquerdo. Na maioria das fotos, esse sorriso ingenuamente malicioso contrasta com seu triste olhar.
Bert Stern, fotógrafo colaborador da revista Vogue, queria captá-la despida das camadas da imagem única que Hollywood havia imposto a ela. Queria também – e conseguiu – fotografá-la nua.  Às vezes, apenas um véu diáfano cobre seus seios perfeitos para seus 36 anos. Em outras situações, ela está vestida com um sóbrio e elegante vestido preto. Nas fotos finais, aparece deitada, nua, coberta com um lençol que maliciosamente escorrega para fora da cama.

Através do relato apaixonado do autor dessa sessão fotográfica, é possível perceber a ansiedade e a emoção que envolveu cada clique: Não tenho nada a temer dela. Apenas o risco de que ela se volatilize diante dos meus olhos agora que a encontrei.  E esse receio prossegue, porque, como ele afirma, Marilyn é um fogo de artifício, tão inatingível quanto o pensamento, tão vivo quanto a luz que acaricia seu corpo.
Exausta depois de tanto flash, tanto champanhe e vinho para relaxar – afinal, por ser etérea, precisava de um reforço -, Marilyn sucumbe ao fim da segunda sessão de fotos e adormece. Seis semanas depois, para sempre. Antes de ir, ela deixa um recado aos seus amigos: “Tenho a sensação de que o navio nunca chegará ao porto. Atravessamos destroços perigosos e é realmente duro… Me amem nem que seja pelos meus cabelos loiros.”

Zedu Lima